Passeios Literários

Almeida Garrett – O Homem Plural

Do Porto a Coimbra

No dia 24 de Agosto de 1820 eclodia a Revolução liberal na cidade do Porto. A 27 de Agosto, estando Garrett no Porto, compôs o Hino Patriótico dedicado aos heróis “lusos”. De regresso a Coimbra, estudante de Leis, dá continuidade ao movimento e na agitação do meio académico, entre revoltas estudantis e confrontos com os reitores, redige a ode À Liberdade e uma série de textos, Proclamações Académicas, no seu estilo de luta através da palavra.

Lisboa, o amor, a política, os exílios

No ano seguinte está em Lisboa e assiste a várias sessões nas Cortes. De espírito exarcebado pelo perfume da Liberdade que ainda ecoa, escreve poesia de intervenção. É o elogio à Liberdade e a exaltação da Revolução!

O ano de 1821 é também o ano da paixão pela bela Luísa Midosi que conhece numa noite de teatro. Ele representa Catão, ela a sedutora de olhos azuis e de uns frescos treze anos que assiste à peça. O amor será interrompido pela política e pelo início de vários exílios entre Inglaterra e França. E é longe que cresce a saudade e o desejo de lutar contra a ignomínia miguelista e mais uma vez é a palavra que serve de arma. Em Paris publica o poema Camões – introdutor do Romantismo em Portugal. O regresso ao país será como soldado e defensor da causa liberal de Dom Pedro IV. A paz chega em 1834 e Garrett nunca deixará de estar na linha da frente da política, dos discursos inflamados nas Cortes e quando a oposição chega ao poder, a retirada da cena pública leva-nos aos salões, à escrita de romances, a novas paixões e a uma vida familiar toldada pela tragédia.

Educar pela Literatura, pelo Teatro

Como homem comprometido com o seu tempo, sobressai o seu lado de educador do país e dos portugueses – a cultura é vital para um país moderno mas tem de ser compreendida e é no novo teatro, escrito e construído, que reside esse papel – as peças são episódios da História de Portugal, em português original e não traduções medíocres de peças estrangeiras e os actores têm formação dada pelo recém-fundado Conservatório Nacional. Garrett é o responsável pela construção de um verdadeiro Teatro Nacional no local onde existiu a inquisição e desta forma simbólica apagar a memória da censura à Arte.

Garrett Homem Plural

Homem vaidoso, excêntrico dirão alguns, vanguardista dirão outros. No Chiado, passeio das vaidades lisboetas, ficava o seu cabeleireiro (usava um pequeno postiço), o seu barbeiro, o seu sapateiro. O café Marrare era o templo e figuras como Garrett e Herculano veneradas pelos mais novos da escrita e da boémia.

Pai extremoso, por Mimi aceita o título de Visconde mas desiludido com D. Maria II. Esta ainda princesa e no exílio de Londres, recebeu de Garrett um tratado para a sua Educação enquanto futura rainha de Portugal. Garrett depositava grandes esperanças nesta princesa e escreve que da educação da nossa Augusta Soberana pendem em grande parte os destinos futuros da nação.

Da sua vasta obra, as Viagens na Minha Terra ainda nos servem de guia literário à monumental cidade de Santarém e às observações pertinazes sobre a década de 40 do século XIX que antecederam a Regeneração e o primeiro fôlego de industrialização e desenvolvimento económico do país. Quase trinta anos depois da Revolução, a mudança ainda se fazia em passos miudinhos…

Homem plural – advogado, jurista, soldado, poeta, escritor, diplomata, deputado, ministro, jornalista, editor, actor, dramaturgo – e muito mais teria sido na sua permanente inquietude e insatisfação em querer mudar um país e cumprir uma utopia de Justiça e Cultura. 

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